sábado, 22 de agosto de 2015

Livro A Fundação do Acre: uma história revisada da anexação (por Eduardo A. Carneiro)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse livro foi elaborado com o objetivo de oferecer uma versão mais sincera da nacionalização do território do Acre pelo Brasil. É possível que a história contada aqui não tenha agradado a todos, mas foi como a visualizei quando retirei dela o “véu mítico” da narrativa epopeica. A história “politicamente correta” engrandece acontecimentos e cerca de glória personalidades, no entanto, a magnificência deles só é plenamente percebida por aqueles que sofrem de megalomania, miopia do senso comum ou embriaguez de acrianidade.
A história do Acre, da maneira como vem sendo contada, mais parece um mito fundador, porquanto, não tem o menor compromisso com a verdade. É uma história “espetáculo”, que embeleza o “sangue” e o “lodo” (CARNEIRO, 2015) constituintes da sociedade acriana e os transforma em fonte de orgulho coletivo. A invenção do ufanismo acriano tem raízes em um “abuso da história” (CARNEIRO, 2015b), que falsifica o passado inaugural como glorioso.
A história que chegou até nós, foi escrita por aqueles que venceram a “Revolução”. Era de se esperar que ela se tornasse um instrumento de auto-louvação. O custoso é deparar com a ingenuidade daqueles que defendem o caráter apoteótico da anexação, sem ao menos perceberem que estão reproduzindo o discurso daqueles que almejavam lucrar com a nacionalização do Acre, a saber: os “coronéis de barranco”, os membros da Junta Revolucionária, os profissionais liberais e políticos de Manaus ligados à economia gomífera.
Não há nada de elogiável em uma ofensiva militar. Ainda mais se sabendo que ela esteve a serviço de interesses espúrios de uma elite regional. Não dá para aceitar que o ato de tirar intencionalmente a vida de outrem seja objeto de aplausos e comemorações. Em vez de apreciarmos o fenômeno bélico, deveríamos apontar a essência desventurosa dele. O acriano assassino de índios, de bolivianos e de peruanos não deveria servir como arquétipo de heroísmo, pois “a sensibilidade contemporânea torna repugnante à evocação da violência” (GARCIA, 2000, p. 136, tradução minha).
O ethos patriótico e heroico constitutivo do discurso identitário acriano não condiz com os acontecimentos propriamente ditos, ele é apenas uma versão desejava do acriano. Daí a necessidade da revisão historiográfica que, em parte, propomos nesse livro. A história do Acre não pode mais ficar refém do testemunho que a memória coletiva tem do passado, pois ela é um produto de manipulações simbólicas. É por isso que Assmann (2011, p. 71) diz que “as recordações estão entre as coisas menos confiáveis que um ser humano possui”.
Segundo Ricoeur (2007, p. 452), há três tipos de “abusos da memória”: a memória impedida, a memória manipulada e a memória obrigada. Em relação ao Acre, podemos dizer que o massacre indígena é uma “memória impedida”; os reais motivos da “revolução”, uma “memória manipulada”; e o lutar para ser brasileiro, uma “memória obrigada”. Até hoje o acriano é vítima de uma política simbólica que o faz interiorizar a memória de um passado que não existiu. E eu acredito que “o historiador não pode apagar ou reescrever o passado a fim de torná-lo mais agradável” (LANDES, 1998, p. 4).

Espero que a leitura tenha sido agradável e elucidativa,

A todos um forte abraço.


Rio Branco, fevereiro de 2017.

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